Desastres associados a escorregamentos em Petrópolis (fev/2022)

A Associação Profissional dos Geólogos do Estado do RJ (APG-RJ) lamenta profundamente as perdas e a dor da população enlutada de Petrópolis.

Mas a realidade é crua. Continuaremos a assistir no Rio de Janeiro à proliferação de desastres geológicos e a sua ampliação em frequência e magnitude em função da conjugação de fatores naturais e antrópicos, em parte discutidas e citadas em todas as notas técnicas de entidades civis e públicas, e em manifestações individuais à mídia. O que cabe então a uma entidade de classe, da área de Geologia do Estado do Rio de Janeiro? A nosso ver cabe a reflexão sobre algumas das questões que envolvem o cenário sombrio e desalentador, e coloca-la em perspectiva para a categoria e para a sociedade civil.

Comecemos pela responsabilidade inerente e óbvia do Estado. Não há como propor mudanças efetivas no enfrentamento aos desastres, no qual os afetados são os/as trabalhadores/as e os desempregados/as, todos/as pobres, tendo como elemento propulsor das mudanças um Estado mínimo, sem capacidade de articulação e sem quadros técnicos de ponta, e que veja nos desastres a possibilidade de fazer novas e muitas obras. Não é culpa só dos administradores e dos políticos, mas sim de todos nós, com destaque para a bolha conveniente no qual se encontram pesquisadores e servidores públicos. Assistimos, em geral, confortável e passivamente, a venda ou a tentativa de entrega do patrimônio estadual – CEDAE – e a degradação completa dos órgãos públicos de Geologia – GEO-Rio e DRM-RJ -, que caminham inexoravelmente para o sucateamento ou para a submissão a uma militarização nociva, via defesas civis municipais e estadual, do conhecimento do meio físico e da gestão de desastres.

Destaca-se também a constatação de que os geólogos lá presentes não integram um Gabinete de Crise (existe?!) e não conseguem nem mesmo “entrar” nos helicópteros para “tocar” as ações pertinentes a sua competência. Ou seja, o que cabe aos geólogos fazer – mapeamento das cicatrizes dos deslizamentos recentes e a comparação com as cartas preditivas preparadas na última década; avaliação da confiabilidade das curvas de correlação chuvas x escorregamentos que subsidiam o acionamento das sirenes de alerta e alarme; preparação das cartas de risco remanescente, obrigatoriamente com controle de campo -, não é feito, e o que poderia ser feito, num modelo gerencial inteligente da emergência – remoção imediata dos escombros; destinação dos resíduos a patamares seguros na antiga subida da serra; impedimento da religação antecipada da rede elétrica nas casas inseridas nos polígonos de risco remanescente; alocação dos recursos emergenciais para pagamento de quartos de hotéis e aluguel de apartamentos vazios hoje à disposição no mercado imobiliário local – nem mesmo é pensado.

Por fim, mas não por último, e nem menos importante, está o papel definido (por outrem) para ser cumprido por aqueles profissionais que não estão envolvidos no atendimento ao desastre e que ficam muito justificadamente impactados pelas cenas transmitidas pela TV. Cada qual deve e pode fazer a sua parte, mas atuar açodadamente pode até confortar, mas não fará frente aos desafios. A única saída é atender à coordenação dos colegas servidores que atuam nos órgãos públicos e cobrar permanentemente por ações que ao menos minimizem as demandas das cidades fluminenses de alto risco. Não é razoável demonstrar solidariedade na emergência e deixa-la dissipar na mesma velocidade com que os helicópteros das TVs vão deixar Petrópolis, tal como deixaram a região depois do Megadesastre´2011 da Serra Fluminense. É legítimo e humano a mobilização para subir a serra? Claro que é, mas a única e efetiva contribuição para minimizar tais situações é a constituição de uma cultura de prevenção de desastres! E isto é uma responsabilidade do Estado!

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Nota da FEBRAGEO sobre desastres e tragédias no Brasil

A Federação Brasileira de Geólogos – FEBRAGEO gostaria de se solidarizar e apresentar seus pêsames as milhares de vítimas dos diversos desastres que assolam nosso país recentemente, seja nos desastres relacionados a processos geológicos ou hidrológicos, nos acidentes em empreendimentos ou mesmo na área da saúde pública. Já são várias as notas das entidades técnicas, científicas e profissionais que descrevem de forma muita clara e objetiva a situação atual e apontam o que é de conhecimento público há anos, inclusive os caminhos para soluções.

Nos casos dos desastres relacionados a processos geológicos e hidrológicos mais recentes como Petrópolis (RJ), Alegre (ES), Franco da Rocha (SP), Ouro Preto (MG), Capitólio (MG), em diversas cidades da Bahia, somente para citar alguns, fica muito claro e evidente a falta de planejamento de curto, médio e longo prazo em nosso país, além da total falta de articulação e inércia do atual Governo Federal para com essas e outras tragédias que tem matado centenas de milhares de brasileiros.

As políticas públicas são constantemente descumpridas e descontinuadas por diferentes governos e gestões. As técnicas e os procedimentos de gestão de riscos são muito bem conhecidos e funcionam quando atrelados a uma política contínua de investimentos e planejamento responsável. As diferentes medidas estruturais (obras de contenção, de drenagem, realocação de moradias, implantação de infraestrutura etc.) e não estruturais (mapeamento das áreas de riscos, planos de defesa civil, sistemas de monitoramento e alerta, planos de contingência, treinamento, informação, educação e cursos, etc.) apresentam resultados claros e inequívocos, mas precisam ser tratadas com seriedade, comprometimento e competência.

A FEBRAGEO e outras entidades vêm alertando há anos a falta de comprometimento com a gestão de riscos em diferentes governos, mas especialmente, a preocupação tem aumentado de forma significativa quando atrelada ao discurso Criminoso e Inescrupuloso do Estado Mínimo e da busca constante pelo corte de custos tanto em gestões públicas como privadas. Não existe corte contínuo de custos e investimentos, sem afetar a segurança, a qualidade, as pessoas e o ambiente. Na verdade, a redução contínua de custos e investimentos é uma troca do lucro no curto prazo pelas consequências negativas duradoras e complexas, que invariavelmente afetam toda a sociedade.

O que tem em comum tragédias como o rompimento das barragens de Brumadinho, os afundamentos de bairros de Maceió e os desastres em áreas urbanas como em Petrópolis? É a busca incansável da sociedade moderna, tanto na gestão pública como, principalmente, na privada, com a redução anual de custos, com a priorização do valor econômico sobre os estudos e projetos geológicos e de engenharia de qualidade, com o corte de funcionários competentes e experientes denominados “caros”, com o lucro no curto prazo sobre as consequências no longo, com a primazia do menor preço sobre o melhor produto/projeto/estudo, com a prioridade de grupos de indivíduos sobre as necessidades coletivas.

Muitos estados, municípios e a União tem adotado esse caminho. Vemos Serviços Geológicos Estaduais sendo fechados ou totalmente desestruturados nos últimos anos, casos claros dos estados de São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro, somente para citar alguns. Ainda é muito comum e recorrente o uso político dessas empresas ou órgãos, no qual a competência e experiência técnica do gestor é desprezada pelo apadrinhamento político e ideológico.

A sociedade brasileira precisa refletir e decidir se quer continuar neste caminho, no qual o valor econômico das coisas e os interesses de grupos está acima de tudo, acima da saúde de qualidade, acima da educação de excelência, acima do planejamento territorial e empresarial sustentável, acima especialmente da vida das pessoas.

A FEBRAGEO e demais entidades tem feito sua parte, fomentando as discussões técnicas, científicas e de políticas públicas, organizando eventos e publicando manuais e livros, fazendo manifestações e denunciando ações equivocadas. Mas a sociedade brasileira precisa tomar sua decisão de futuro e perguntar: Temos um projeto de país?

São Paulo, 19 de fevereiro de 2022.

DIRETORIA DA FEBRAGEO